terça-feira, 27 de outubro de 2009

Da janela.

Um cigarro entre os dedos e a dignidade nos chinelos cansados pelo tempo. A camisa desabotoada mostrava o peito forte que aguentara os trancos da vida sem se queixar dos percalços de outrora. O calção sujo de tinta e o pensamento em todos os lugares que não tivessem paredes nem janelas ou chinelos velhos. E o tempo. Há muito que o tempo já não lhe fazia sentido algum. Passava horas a fitar a figueira pela janela, forte e frutífera como nunca! Aqueles raros momentos de aparente paz interior de meu avô faziam-nos sentir como se a vida fosse sempre leve e solta como o vento que ora entra pela porta, ora faz redemoinhos no quintal.
Todos os domingos eram iguais. Sempre o mesmo alvoroço dos netos correndo e gritando as brincadeiras com os primos de longe. Os tios de um lado discutindo futebol e as notícias da semana. A mãe e as tias em volta de minha avó, sempre atenciosa e feliz. Felicidade tal que o câncer de quase duas décadas não fora capaz de ofuscar de seus meigos e acolhedores olhos. Olhos que cuidavam de todos os detalhes daqueles domingos iguais. Iguais e inesquecíveis. Inesquecíveis!
E parece-me, pois, que todos temos janelas de domingos festivos. Porém, sentamo-nos sempre confusos e tragados pelo tempo que convencionamos, ultrajados de preconceitos dantes atacados e envenenados pela moral. Sim, é com essa adaga que esculpimos a vida. E a felicidade, no quarto escuro da memória, repousa as pérolas trazidas de longe; pessoas dizem verdades e praticam mentiras. Mas as pérolas são as pessoas. Pessoas que passam sem que tenhamos a oportunidade de lhes abrir uma porta: a riqueza interior consiste em fitar o verde no quintal do vizinho!
Praticamos o senso comum e nos deterioramos com a superficialidade das relações. Perdemos horas à espreita daquele vizinho, e mal conhecemos o terreno onde a casa das nossas emoções foi construída. E vamos jogando os trapos dessa vida fútil pra dentro das paredes maciças do coração. A cada dia que passa, já nem abrimos mais portas, fechamos então as poucas janelas.
Muitas lições me foram incrustadas no peito a ferro e fogo. Fogo que brota agora luminoso e ardente como o quadro de um domingo com minha avó. A família, desunida pelo tempo, sucumbiu à ganância na era do falso apego. E um abraço guardado no peito me emociona pela distância que tenho eu de você agora, caro leitor…
Não é do pensamento que me regozijo. Saber que me importo com o bem-estar do outro não me deixa em paz interior. Mas me acalma o espírito um sorriso dado ao acaso por aquele que enxerga em meus olhos a porta aberta da alma. Da janela eu vejo um mundo que assusta pelo exagero do que não convém à sociedade, mas que vem a ser o estopim que me prende à paisagem lá de fora. Passa, que tenho ânsia de te ver blasfemar, odiar e pestanejar contra a moral. Se te sentires à vontade, escreve pra senhora doente e feliz que habita o mais íntimo do teu ser, digníssimo leitor. E viva teus dias sempre iguais.

Iguais e inesquecíveis. Inesquecíveis!

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(Aos meus queridos avós, Zenaide e Balduino, já falecidos.)
Thiago Orlandin.

O minotauro.

Eu não sinto prazer nas coisas pequenas.

Eu não consigo controlar meus pensamentos, meu humor oscila muito o dia todo, e mal posso esboçar fisicamente o que sinto. Compro coisas das quais me convenço, sem motivos realmente convincentes, por pensamentos que nem sei direito de onde vêm, que essas coisas são necessárias, quando na maioria das vezes são desnecessárias. Faço coisas das quais, por conta da ansiedade, descubro não ter significado algum em minha vida. Então fico num vazio que nem eu me aguento, passo por cima, engulo a seco minhas “besteiras” e mais tarde vou me arrepender do que fiz. É aí que penso, reflito e concluo a melhor saída, pois conheço as enormes mudanças que os pequenos atos acertados provocam na minha vida, mas no outro dia já sou outra pessoa e nem dou por falta dos pensamentos de ontem! Surpreendo-me agora, ao perceber tal distração, pois vejo que há falhas em minha “estrutura psicológica” (se é que posso chamar assim) que não possui uma base, um banco de dados confiável, do qual eu possa usufruir sem precipitar-me.

É incrível como o dia me leva de olhos fechados até o anoitecer, e a forma como convenço a mim mesmo (inconscientemente) que aquela situação desagradável deve continuar a acontecer até que um objetivo oculto se realize. A esse objetivo oculto identifico como sendo a ansiedade. Isso definitivamente estraga meu dia!!! A comida, eu engulo sem refletir e perceber o que como, e de que maneira como o que como. Tenho dores de estômago, e, as vezes, dores de cabeça. Me distancio do discernimento que o diálogo interno proporciona e passo o meu dia agindo de forma impulsiva, sem conseguir controlar o que se passa. Posso identificar esses problemas, porém não consigo vencê-los. Todos os dias faço tudo sempre igual, e isso me deixa ainda mais infeliz, irritado, desconcertado, envergonhado, inibido. Essa face da vida que me atrapalha, que me sufoca, que toma a frente das situações mais corriqueiras, por pequena e insignificante que seja, já tomou as rédeas de toda minha vida e se apresenta como face incontrolável e inconveniente, tendo a mim na palma da sua mão.

A guerra trás sofrimento?

A dor do amor é a que dói mais?

Será o dinheiro a solução para uma vida dura?

Existe algum sentido em repetir tudo de novo todos os dias?

Qual parte de mim é possível controlar?

Existe realmente esse pedaço em mim só meu?

Existe sentido na vida? E na ausência dela?, ou melhor:

Qual o objetivo deverá mover meu pensamento chulo?

O ser humano é o principal causador das suas feridas, e a vida vira um correr atrás da felicidade. Pois a cada dia que passa encontro mais motivos para me orgulhar do que possuo. Mas o fato de conhecer o privilégio de que dispunha nesta vida, há algo que causa um incômodo fora do comum.

Minha luta interna busca fora de mim as armas e as respostas para combatê-la. E é no dia-a-dia das emoções que perco todos os meus sentidos. A insônia também já me atrapalha muito, e minhas dores no pescoço e nos ombros parecem piorar a cada dia.

Já não sei mais o que fazer com essa adaga; canta o Chico Buarque: a qualquer momento PODE SER A GOTA D’ÁGUA.

Thiago de Letras.