terça-feira, 22 de novembro de 2011

Os trabalhadores e o bar

- Eu mijo de luz apagada! – um rompante grave irrompe na muvuca da birosca. Tu faz o que, fulano?, uma voz obtusa e rouca parece não poder crer no que se fala: eu mijo de luz apagada, pô! Feijoada no sábado, ali na esquina da Treze de Maio, sempre acaba em “causo”. Um que de tão quieto ganha todas no baralho aqui, um metido a contador de história ali, outro cantador de viola na mão sempre. E sempre no entrevero maduro dos machões teimosos e metidos a todo etc e tal que se preze. Feiijoada, caipirinha, baralho e mulher: o combustível dos que não se mata com a unha!
- E como faz pra achar o negócio de noite, fulaninho? Bem, aqui começa uma cutucação sem fim, algo aproximado épico, a machesa heroica que precisa ser defendida téte-a-téte, ali, “na bucha”, porque homem que é homem não sai de uma discussão perdedor. Macho empata, no máximo, mas jamais perde, mesmo quando o debate é demasiado prolixo. No bar, catarse semanal dos brutamontes, tudo o que se diz tem que se manter, em tom de espingarda e cartucheira, como numa batalha medieval em torno da princesa.
Aforante isso, veja bem, temos um fulano que urina de luz apagada. Mas como? Durante o dia, vá lá. Mas e à noite, como faz? – pergunta já feita no bar, lembra? Sinceridade, não há interesse em como acabou essa discussão. O bom do bar, o bom da vida, é o que acontece no meio dos discursos. A linguagem preenche as lacunas que a linguagem deixa em aberto, se não em teoria, pelo menos no bar. Sim! A vida é um bar aberto e cheio de vozes, histórias, que se sobrepõem umas às outras.
E nessa história que vos conto, o alemão ali do primeiro parágrafo simplesmente surtou, e tentando explicar o inexplicável meteu-se com umas palavras que não eram dele, mas acabaram sendo depois. Eu explico: é porque esses debates de bar nunca terminam, que o senhorio só precisa de uma bola fora pra taxar apelido. E foi isso o que restou ao fulano, quis meter filosofia em meio à bebedeira e deixou escapar que tinha olhos de gato. Pronto! Zóio de gato ficou sendo seu nome, valendo mais que o CPF e o RG. E pra quem sabe o que significa “zóio de gato”, sabe bem o quanto doeu no alemão essa alcunha.
Mas não se preocupe com isso, leitor. Basta o próximo sábado chegar, a próxima bebedeira, até que outro fulaninho cante a pedra e seja o assunto da próxima semana. No bar, tudo se renova a cada semana, mas nada é inesquecível. Talvez assim pudesse ser a vida, inesquecível e esquecível, um sarro do começo ao fim, como o eterno riso dos mal-educados e bem-vividos trabalhadores do Brasil.

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