sábado, 7 de agosto de 2010

A parede

Da janela do meu quarto eu vejo um muro. Sem pintura nem reboco, nu e cru e feio e sujo. Eu não vi erguerem os tijolos, mas aí estão eles agora! E não sairão daí logo, eu sei. Só de pensar que estou condenado a esse muro escroto, imoral, já fico doido. Tijolo que puseram pra disfarçar o medo de me ver ler ou trocar de roupa. Nem lembro a última vez que comprei uma roupa nova, pra falar a verdade. Ganhei umas camisetas de aniversário, que usava apenas para sair, aí comecei a ir pro trabalho com elas, quando me dei conta estavam desbotadas. Tanto faz. Não faço moda nem desfilo pra ninguém. Vou pro trabalho e pra aula, depois volto pra casa e pronto. Quem liga? Eu não ligo pras minhas camisas velhas, desde que estejam limpas. Mas esse coletivo de tijolos me atravessa a ideia, e eu chego a pensar que os tijolos têm personalidade e vontade próprias. Olha só! Estranho, eu sei, mas depois de um tempo cobrando uma atitude deles, parece que agora eles é que me cobram uma postura. Sim! Eu lá quero me envolver com argamassa? Eu lá vou querer saber das fofocas dos tijolos, lado a lado, unidos pela linguagem do cimento? Eu não, claro que não... Mas parede sem pintura incomoda, e como incomoda! Parece que eu é que estou sem pintura, feio e chato como uma parede de tijolos dura e fria. Pode ser que a parede já tenha virado um espelho, talvez. Ou pode ser que a imagem repetida na minha retina tenha congelado uma ideia de mim mesmo formada a partir de uma parede sem pintura. Pode ser, tanto faz. Eu já nem ligo pra mim mesmo!

Um comentário:

  1. É, Thiago, existem muros e muros, o físico que construíram para não precisar te ver, entrar em contato, que te condena ao bruto, ao feio, a frieza dos tijolos e concreto. E o muro da rotina, da perfumaria, que construímos talvez pelo medo que nos vejam, como paredes nos protegem e confortam mas também nos impede de ver o novo, vai nos esfriando aos poucos.

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